Macau, 1937 (IX)
Por entre os aromas, as cores e as vozes, o rosto de Liang ergueu-se. Uma sorridente lua cheia, pairando por instantes sobre a mesa, iluminando o enlevado olhar do convidado. Um olhar que se perdia nos movimentos suaves que a faziam levitar e a levavam para além da sala.
Regressou pouco depois, acrescentando solenidade ao sorriso quando entregou uma pequena caixa de madeira a Tchang. O ancião recebeu-a com cerimónia, sorrindo também para Liang. "Obrigado, Xue", disse. Estranhou aquele tratamento, que misturava duas línguas e lhe lembrava o chamamento que pela primeira vez o levara a entrar na loja.
Tchang estendeu então as duas mãos para o convidado, oferecendo-lhe a caixa com grande solenidade. Recebeu-a, aguardando as palavras que deviam acompanhar a oferta, como era tradicional. E as palavras vieram, breves e sincopadas. "Para que deixe a sua marca onde quiser e quando quiser. Um pequeno sinete. Por favor aceite-o como prova da nossa amizade."
Aceitou em silêncio, sorrindo e baixando levemente a cabeça. "Aceito, com grande regozijo pela nossa amizade", disse depois. E nada mais acrescentou. Sabia que o resto da satisfação deveria ser traduzida por gestos e expressões de admiração perante o objecto.
Notou que a caixa era folheada a madeira de carvalho. Madeira de veios largos e longos, madeira de árvore velha. Poderiam ter utilizado qualquer uma das muitas e preciosas madeiras orientais. Mas não, haviam escolhido precisamente o carvalho. Madeira que teria vindo da Europa, ou então do Japão. Não era comum na China. Sabiam o seu significado para os europeus.
Levantou cuidadosamente a tampa. No interior, entre a sumptuosidade de um veludo carmim e o aroma da cânfora, estava o sinete. Uma peça delicada, com um dragão cinzelado em espiral. Símbolo da longevidade. Levantou os olhos para Tchang, que leu o agradecimento no seu olhar e lhe disse: "Está em branco, para que possa colocar as iniciais que entender, quando entender".
Lembrou-se do leque em branco que lhe haviam oferecido no Sibajak e das palavras que acompanharam a oferta: "Um leque destes lembra-nos o resto da nossa vida, os anos que ainda temos para viver, aquilo com que queremos preencher esse espaço. Sempre poderemos escolher o tecido e a decoração a nosso gosto..."
Liang olhava-o também. E assim ficou o seu olhar, suspenso entre Tchang, o sinete e Liang. "Em que estás a pensar?", perguntou a si próprio. Não, não queria pensar, nem queria sentir.
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