Desejo
Perpassando entre as pedras, esculpindo o tempo,
o desejo reflecte nas águas o nosso esfíngico olhar.
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Aki ó-matsu Hito ó-mayowasu Momiji-kana!...
Aki ó-matsu Hito ó-mayowasu Momiji-kana!...
Perpassando entre as pedras, esculpindo o tempo,
o desejo reflecte nas águas o nosso esfíngico olhar.
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Para além da curva, para além do desconhecido, fica a vertigem que nos atrai.
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Com todo o fôlego e de olhos bem abertos, mergulho nas profundezas. Ultrapasso a viscosidade fluvial dos limos e as águas turvas de lodo. Já no mar, sinto o emaranhado de algas que há-de levar sal e salsugem às areias da costa.
Percebo que as proas dos navios apontam sempre para outro lado e as quilhas dos pequenos barcos me ignoram. Vejo nas águas o refulgir prateado dos relâmpagos que me cercam e entontecem, e sinto a minha lentidão. Oiço o barulho das aves que é levado pelo vento e não ecoa em terra.
Mergulho no mar alto, obstinadamente, descendo uma e outra vez, mais e mais, em busca de um vórtice. Mantenho os olhos serenamente abertos, enquanto me afogo em silêncio. E percebo, enfim, que todas as embarcações andam à deriva e só eu tenho um rumo.
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Por entre os aromas, as cores e as vozes, o rosto de Liang ergueu-se. Uma sorridente lua cheia, pairando por instantes sobre a mesa, iluminando o enlevado olhar do convidado. Um olhar que se perdia nos movimentos suaves que a faziam levitar e a levavam para além da sala.
Regressou pouco depois, acrescentando solenidade ao sorriso quando entregou uma pequena caixa de madeira a Tchang. O ancião recebeu-a com cerimónia, sorrindo também para Liang. "Obrigado, Xue", disse. Estranhou aquele tratamento, que misturava duas línguas e lhe lembrava o chamamento que pela primeira vez o levara a entrar na loja.
Tchang estendeu então as duas mãos para o convidado, oferecendo-lhe a caixa com grande solenidade. Recebeu-a, aguardando as palavras que deviam acompanhar a oferta, como era tradicional. E as palavras vieram, breves e sincopadas. "Para que deixe a sua marca onde quiser e quando quiser. Um pequeno sinete. Por favor aceite-o como prova da nossa amizade."
Aceitou em silêncio, sorrindo e baixando levemente a cabeça. "Aceito, com grande regozijo pela nossa amizade", disse depois. E nada mais acrescentou. Sabia que o resto da satisfação deveria ser traduzida por gestos e expressões de admiração perante o objecto.
Notou que a caixa era folheada a madeira de carvalho. Madeira de veios largos e longos, madeira de árvore velha. Poderiam ter utilizado qualquer uma das muitas e preciosas madeiras orientais. Mas não, haviam escolhido precisamente o carvalho. Madeira que teria vindo da Europa, ou então do Japão. Não era comum na China. Sabiam o seu significado para os europeus.
Levantou cuidadosamente a tampa. No interior, entre a sumptuosidade de um veludo carmim e o aroma da cânfora, estava o sinete. Uma peça delicada, com um dragão cinzelado em espiral. Símbolo da longevidade. Levantou os olhos para Tchang, que leu o agradecimento no seu olhar e lhe disse: "Está em branco, para que possa colocar as iniciais que entender, quando entender".
Lembrou-se do leque em branco que lhe haviam oferecido no Sibajak e das palavras que acompanharam a oferta: "Um leque destes lembra-nos o resto da nossa vida, os anos que ainda temos para viver, aquilo com que queremos preencher esse espaço. Sempre poderemos escolher o tecido e a decoração a nosso gosto..."
Liang olhava-o também. E assim ficou o seu olhar, suspenso entre Tchang, o sinete e Liang. "Em que estás a pensar?", perguntou a si próprio. Não, não queria pensar, nem queria sentir.
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Outros frios, inseparáveis companheiros de Nyx, nos cercavam. Abraçávamo-nos, assim, tentando esconjurar o medo e a solidão. Mas o abraço era silencioso, a distância não. Até que as palavras se tornaram abraços e a distância ilusão.
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Era manhã e, por entre a neblina, indícios de ti recortavam-se no meu rosto.
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Na penumbra, dormitando, somos silenciosos porta-vozes de sonhos e oráculos. Eros hipnotiza-nos, deixando-nos obcecados, olhos abertos apenas no sonho. Perante o templo, transformamo-nos em hieráticas oferendas a nós próprios. O rito é uma efémera vertigem. Com a chegada da alvorada, esmorecem as sombras e anuncia-se Thanatos.
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Num universo de luz, Ícaro. O sonho, a ascensão, a leveza. Na embriaguez da brisa, a sensação de eternidade. Nem tempo, nem espaço. É preciso que chegue o Outono para se conhecer a cor das folhas, o seu cair, o seu morrer. O húmus. Só então é possível compreender Brueghel, onde Ícaro é um provérbio perdido na linha do horizonte, confundindo-se com o ocaso.
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No limiar da sombra, torna-se circular e impaciente o nosso caminhar. Não temos que ir a lugar algum, mas temos pressa. Muita pressa. Sem sair do lugar, movimentamo-nos, enquanto a sombra permanece imóvel. Os nossos passos aproximam-nos da penumbra e parte de nós fica na sombra. Os passos abrandam e a nossa pressa cede perante a inquietação. Apercebemo-nos, finalmente, da vertiginosa e avassaladora velocidade da sombra. Que fazer quando não há Orfeu que nos resgate?
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À entrada, estendeu a Tchang a tacinha de prata, que a recebeu juntando as mãos, honrando a oferta como se honrasse o convidado. Delicada e atenciosamente, virou a sampana para ver o fundo da taça, onde estava a imagem de Chang Kai-Chek. "Aah! Wai Kee...", murmurou, sorrindo, ao ver a marca do ourives.
Fez depois um gesto a uma serviçal, entregando-lhe cerimoniosamente a taça. Esta lavou-a uma e outra vez, secando-a e enchendo-a com uma bebida cor de mel. Entregou-a de seguida ao convidado. Tchang acenava-lhe levemente, sugerindo que a aceitasse. "Seja bem-vindo! O que era seu passou a ser meu, a nossa refeição passará a ser a sua."
Bebeu. Era um líquido fino e adocicado, que escorria tão facilmente como a água. Devolveu a taça à serviçal, que de novo a lavou e encheu, entregando-a a Tchang. Só então Liang se aproximou, saudando-o respeitosamente. O seu olhar deixava transparecer uma alegria íntima que mal se notava no sorriso. Recebeu o envelope vermelho das mãos do convidado com o recato que se esperava dela, obtendo antes, com o olhar, a aprovação do tio-avô.
Outra serviçal veio receber o terno enfeitado que ele também acabara por trazer, levando-o para a cozinha. Enquanto a porta se abria e fechava, os aromas da comida chegaram à sala e a vertigem que sentira nas ruas voltou. Tudo se misturava, tudo era indefinido, nada tinha um só cheiro.
Mal conseguira chegar à mesa e mal se sentara quando a comida começou a ser servida. Carnes preparadas de mil e uma maneiras. Não conhecia a maior parte dos pratos. Foram-lhe dizendo. Capela de porco, galinha assada, galinha kai-pin, inhame chau-chau com lap-yôk, lacassá, ló-pak-cou, margoso lorcha, missó cristão, pato pák-sáp, chau-chau de pele. Uma explosão de vapores, de aromas e de cores.
A vertigem continuava com os vegetais, o peixe e o cheiro de balichão nos temperos. Couve recheada, couve-flor frita, chai de bonzo, yeu pin, casquinha de caranguejo. E prolongava-se com os doces. Genetes, doce de camalenga, fatias da china, doce de cha-cha, saransurável. Ainda não provara nem metade de tudo aquilo e já se sentia satisfeito.
Mal seguia as conversas, mal recordava as palavras. Apenas via com clareza expressões de satisfação e sorrisos nos rostos que o rodeavam.
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